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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

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as suas mãos eram pequenas. talvez agora mais magras do que alguma vez haviam sido. os dedos finos pareciam compridos. olhou a esquerda. no anelar a aliança estava folgada. reparou na folga. fê-la rodar livremente no dedo. raramente a tirava. resolvera não o fazer nunca. como se esse para sempre estivesse obrigado por si. nunca? então porquê hoje? sentiu vontade de sentir a mão sem ela. retirou-a tão calmante como quando entrou no seu dedo pela primeira vez. rodou-a entre os dedos, olhou-a. na mão, agora vazia, existia um sulco que denunciava a sua recente presença. nem massajando o dedo a depressão na pele deixava de notar-se. uma falta! algo que já fazia parte do esqueleto externo, da pele. algo que fazia parte de si. sentiu vontade chorar. fosse no para sempre, que estava a quebrar. fosse pela saudade de aquela aliança ter um sentido. fosse pela enorme vontade de ultrapassar um momento. chorou. apertou-a na mão direita com quanta força tinha. não leu a inscrição no interior. conhecia-a de cor. a brancura da pele fazia-se notar. um anel mais claro desenhado no dedo. achou as suas mãos bonitas mas tristes. tão tristes como umas mãos sem par podem ser. e recolocou a aliança para voltar a chorar.


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7 comentários:

maria josé quintela disse...

gostei muito de ler este texto.



sereno e sentido. bem (d)escrito.



beijinho tufa.

Maria disse...

e depois fico sem palavras...

um beijo

pn disse...

Eu uso (frequentemente) duas alianças de tão delgadas quase inexistentes (gastas? delidas?) que eram dos meus avós paternos (primos direitos, ela portuguesa, ele italiano) casados em 1917. Espécie de amuleto, tributo, memória. Forma de me lembrar deles. Atracção imediata por elas, numa partilha em que eram de tudo o menos valioso (havia pulseiras art déco e gargantilhas bizarras...), mas aquelas finas e abertas alianças, soube-o de imediato, tinham que ser minhas...!

~pi disse...

segunda pele,


( beijo



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as velas ardem ate ao fim disse...

sinto ...

um bjo

Ricardo Silva Reis disse...

"tristes como umas mãos sem par"
Quem consegue falar melhor em saudade do que esta frase sentida na pele desta mulher? Eu nunca irei conseguir!
Tens as minhas mãos para te afagar a saudade. São também tuas.
Beijinhos

carlosré disse...

das palavras mais bonitas que de ti li.